O impacto controverso dos medicamentos psiquiátricos no desenvolvimento da demência

Texto publicado em 25 de fevereiro de 2025

É comum na prática da saúde mental discutir-se sobre os possíveis prejuízos provocados por alguns medicamentos psiquiátricos. Os benzodiazepínicos, como o clonazepam e o alprazolam, juntamente com as drogas Z, como o zolpidem, são frequentemente citados como perigosos, com estudos indicando uma possível relação entre seu uso e o aumento do risco de demência. Essa preocupação é frequentemente destacada pelos psiquiatras em conversas com pacientes.

Um estudo recente, divulgado através de uma matéria na Folha de São Paulo1 introduziu uma nova perspectiva neste debate. A pesquisa, que utilizou dados do Registro Sueco para Transtornos Cognitivos/Demência de 2007 a 2018 e incluiu 18.740 pacientes, examinou o impacto do uso de antidepressivos em pessoas com demência2. Os resultados mostraram que o uso desses medicamentos, especialmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), como sertralina e escitalopram, estava associado a um declínio cognitivo mais rápido, efeito que era ainda mais pronunciado em casos de demência severa. Doses mais elevadas de ISRSs também foram ligadas a um aumento nos riscos de fraturas e morte por todas as causas.

A maioria dos psiquiatras, provavelmente, concordaria que essa associação entre antidepressivos e aumento no risco de demência não representa uma causalidade direta, mas sim uma correlação não causal. Pode-se especular que o fator de risco real seja o transtorno mental subjacente que levou ao uso do antidepressivo, frequentemente a depressão, que já possui uma relação bem estabelecida com o desenvolvimento de demência. Além disso, a chamada neuroprogressão dos transtornos mentais fornece uma base fisiopatológica que pode explicar o aumento do risco de demência, enquanto outra explicação convincente é a de que a eclosão de sintomas psiquiátricos pode corresponder, em muitos casos, aos primeiros sintomas de neurodegeneração. Já a hipótese de que os medicamentos causem demência é mais frágil, uma vez que não é subsidiada por explicações fisiopatológicas consistentes.

Devemos ser cuidadosos na avaliação de estudos observacionais. Se é improvável que os antidepressivos causem demência, o mesmo raciocínio deve ser aplicado aos benzodiazepínicos e drogas Z. Estas classes de medicamentos, embora devam ser prescritas com cautela, especialmente para idosos devido aos riscos de quedas, sonolência, dependência e prejuízo cognitivo agudo, podem ser cruciais em casos de ansiedade e insônia persistentes, onde os benefícios podem superar os riscos, conforme demonstrado em um estudo dinamarquês com mais de 170 mil pacientes com história de uso de benzodiazepínicos e drogas Z3.

Por último, é essencial evitar uma excessiva responsabilização de pacientes, familiares e médicos no desenvolvimento de condições sérias e irreversíveis como as várias formas de demência. Buscar explicações causais é uma tendência natural do ser humano, intensificada quando se envolve o uso de substâncias socialmente estigmatizadas como os benzodiazepínicos e as drogas Z. O papel do psiquiatra é avaliar individualmente o risco e o benefício de cada medicamento, reconsiderando sempre as dosagens e a possibilidade de suspensão do tratamento quando viável. Este princípio é aplicável a antidepressivos, benzodiazepínicos, drogas Z e aos demais medicamentos psiquiátricos.

Referências

1.          Moraes A. Antidepressivos podem acelerar declínio cognitivo de pacientes com demência. Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio/2025/02/antidepressivos-podem-acelerar-declinio-cognitivo-de-pacientes-com-demencia.shtml. Acesso em: 25 de fevereiro de 2025.

2.          Mo M, Abzhandadze T, Hoang MT, et al. Antidepressant use and cognitive decline in patients with dementia: a national cohort study. BMC Med. 2025;23(1):82. Disponível em: https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-025-03851-3

3.            Osler M, Jørgensen MB. Associations of benzodiazepines, Z-drugs, and other anxiolytics with subsequent dementia in patients with affective disorders: A nationwide cohort and nested case-control study. American Journal of Psychiatry. 2020;177(6):497-505. Disponível em: https://psychiatryonline.org/doi/10.1176/appi.ajp.2019.19030315