A regulação das redes sociais como uma questão de saúde pública

Publicações nas redes sociais podem desencadear o adoecimento mental

Texto escrito em julho de 2024

Há muito tempo não assistia a um jogo de futebol. Recentemente, sentei no sofá e assisti a uma partida do Corinthians. Surpreendi-me com a quantidade de empresas de apostas que apareciam na tela: contei ao menos oito delas que anunciavam nas camisas dos times, nas placas de publicidade do estádio e na transmissão televisiva. Imediatamente, lembrei-me de vários pacientes que têm relatado dívidas enormes relacionadas ao vício em cassinos digitais.

Movido pela curiosidade e preocupação, pesquisei o jogo sobre o qual mais ouvi meus pacientes falarem: o jogo do tigrinho (Fortune Tiger). Trata-se de um caça-níqueis digital que funciona do mesmo modo que os seus antecessores analógicos. Ao clicar, você mobiliza uma manivela e desenhos se rearranjam, definindo o resultado. Como qualquer caça-níquel, os jogos são muito rápidos e podem ser repetidos à exaustão, um caldeirão perfeito para o vício.

Ao pesquisar sobre o jogo do tigrinho, encontrei lives de supostos influenciadores digitais prometendo ganhos financeiros astronômicos. Entrei em uma dessas lives e fiquei estarrecido com o que vi. O contador de participantes indicava centenas de milhares de expectadores, contudo, obviamente, não se tratava de pessoas reais. O chat era alimentado por mensagens similares de supostos usuários – todos com nomes duplos pouco verossímeis, criados por uma inteligência artificial rudimentar, provavelmente. Entre as mensagens dos usuários fakes, anúncios de uma “casa bugada” divulgavam o link para um site de apostas que garantia ganhos extraordinários. Fiquei espantado com a expectativa de impunidade dos responsáveis por aquela live, já que eles mostravam a cara sem sombra de constrangimento.

Sem uma regulamentação adequada, essas plataformas permitem a disseminação desenfreada de conteúdos nocivos que podem agravar quadros de ansiedade, depressão e outras condições psiquiátricas. Essa falta de controle não apenas facilita a exploração financeira, mas também amplifica o sofrimento emocional.

Cabe aos psiquiatras se posicionarem firmemente a favor da regulação das mídias sociais. Atuar preventivamente é uma atribuição do médico. Infelizmente, a participação no debate público por parte de alguns colegas tem sido nos últimos anos permeada por um viés conservador repressivo que não promove a saúde. É essencial focarmos em soluções que realmente protejam e ofereçam suporte a quem precisa, ao invés de penalizar ainda mais aqueles já prejudicados por esquemas predatórios. A regulação das redes sociais é necessária para proteger os indivíduos vulneráveis e prevenir os danos causados pela dependência em apostas online. Políticas robustas e uma fiscalização rigorosa são essenciais para reduzir danos e promover uma sociedade mais saudável.